Saúde mental após desastre climático
Pessoas caminham pelas ruas inundadas enquanto os esforços de resgate continuam no bairro Menino Deus em 7 de maio de 2024 em Porto Alegre, Brasil.
Jefferson Bernardes/Getty Images

Primeiros socorros em saúde mental após desastres climáticos

As enchentes provocadas no Rio Grande  do Sul  é o acontecimento climático mais grave dos últimos anos no Brasil, é preciso se preocupar sobre saúde mental e desastre climático.  

Além de estar despreparado para as questões econômicas e de medidas ambientalistas que atendem aos desastres climáticos, o Brasil não tem assistência específica que visa o acolhimento e a saúde mental da população.

Segundo informações da Defesa Civil  mais de 615 mil pessoas tiveram de deixar suas casas, 77 mil estão em abrigos e 538 mil em casas de amigos e parentes. 

O apoio financeiro e de itens básicos de sobrevivência são fundamentais, e não podemos deixar de destacar o amparo psicológico para que essas pessoas tenham condições emocionais de reconstruir não somente casas ou bens materiais, mas recomeçar uma história de vida. 

Nesse artigo, gostaria de especificar alguns pontos sobre o funcionamento de um trauma, sua neurobiologia e como pode afetar a mente e o cérebro. 

Antes de darmos início a parte neurobiológica, é importante frisar que um trauma pode afetar pessoas de maneira totalmente diferente. É preciso realizar uma análise individual que considera o contexto de vida, a ausência ou não de traumas anteriores e fatores genéticos que podem predispor uma pessoa a maior vulnerabilidade. 

Neurobiologia de um acontecimento traumático 

Entender como a mente e o cérebro superam e lidam com o trauma ajuda a trazer uma maior consciência tanto para quem sofreu o acidente, como para os profissionais da área da saúde mental compreenderem mais a fundo e intervir de maneira terapêutica com eficiência e empatia. 

As principais características neurobiológicas detectadas envolvem principalmente o sistema neuroendócrino e o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. Essas regiões estão relacionadas ao controle das respostas ao estresse e liberação de um hormônio chamado cortisol. 

Sistemas afetados

Neurobiologia do trauma

O eixo hipotálamo-hipófise adrenal é composto por estes componentes endócrinos ilustrados acima e todos eles sofrem anormalidades em seu funcionamento em uma situação traumática. 

Várias vias cerebrais modulam as respostas, incluindo o hipocampo, região responsável principalmente pela memória e o córtex pré-frontal, ambos nesse contexto, atuam como inibitórios, enquanto a amígdala e o tronco cerebral estimulam os neurônios. 

Outra característica notada em pessoas que sofreram um episódio de trauma é a hiperatividade de respostas autonômicas, provocando elevações na frequência cardíaca, pressão arterial e questões psicofisiológicas. 

Estruturas do cérebro que são afetadas em um trauma 

Hipocampo 

O hipocampo é uma das regiões mais plásticas do cérebro, pois ele registra e consolida diversas memórias ao longo da vida. Pessoas que sofreram Transtorno do Estresse Pós Traumático (TEPT) apresentaram, em pesquisas, redução do volume do hipocampo. 

Exposições prolongadas ao estresse são capazes de ‘danificar’ o hipocampo de camundongos, de acordo com estudos. 

A exposição estressante aumenta os níveis de glicocorticoides e a redução da ramificação dendrítica, que é a capacidade dos neurônios de se conectarem, o que compromete bastante a neurogênese e a renovação das células nervosas. 

Amígdala 

A amígdala é uma estrutura localizada na região límbica, uma rede que chamamos também de sistema emocional no cérebro. A amígdala de forma mais específica, é ativada em situações de medo e vigilância, media respostas ao estresse e no “aprendizado” do medo. 

Córtex pré-frontal medial 

As regiões corticais são amplamente alteradas após um episódio traumático, exercem controle inibitório sobre as respostas ao estresse e a reatividade emocional em conexão com a amígdala. 

Há pesquisas que apontam a diminuição do córtex pré-frontal em pacientes que sofreram Transtorno do Estresse Pós-Traumático. Existe ativação diminuída em pessoas que sofreram traumas ao serem expostas a imagens como rosto de medo e outras negativas relacionadas ao trauma. 

Treinamento em Primeiros Socorros em Saúde Mental e desastre climático para o Brasil

Eventos traumáticos incluem acontecimentos diversos e os desastres climáticos fazem parte desses cenários. Uma situação pode impactar pessoas de maneira totalmente diferente, em menor e maior intensidade, esses eventos são desencadeantes de problemas futuros relacionados à ansiedade, depressão, transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) e outros. 

A saúde mental da população brasileira é afetada além dos desastres climáticos, o país tem a nona maior taxa de homicídio das Américas, além de ser considerado um dos países mais violentos do mundo. 

A população carente e leiga, que nunca compareceu a um atendimento psicológico e  não tem acesso a esse tipo de apoio, são as mais afetadas. Em 2011 a Organização Mundial de Saúde, OMS desenvolveu um Programa de Diretrizes da OMS para Primeiros Socorros Psicológicos com orientações gerais para diversos países do mundo. 

A Austrália em 2001 desenvolveu o Mental Health First Aid” (MHFA) Plano Primeiros Socorros em Saúde Mental

O intuito é auxiliar os profissionais da saúde e os socorristas a detectar quais são os sinais das pessoas vulneráveis a desenvolver um problema de transtorno mental e como agir em contextos de desastres climáticos, entre outros. Esse curso já se espalhou por mais de 30 países e ajudou mais de 4 milhões de pessoas. 

Uma pesquisa para avaliar o programa incluindo 18 ensaios clínicos constatou que o treinamento MHFA melhorou o conhecimento em primeiros socorros e saúde mental, reconhecimento sobre transtornos mentais e tratamentos eficazes. 

Esses estudos, embora demonstrem bons resultados, foram aplicados em populações de alta renda, realidade cultural e socioeconômica diferente do Brasil. 

Pensando nisso, pesquisadores brasileiros da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP)  adequaram essas diretrizes, realizando a tradução e adaptação desse material para o português brasileiro, “Diretrizes para oferecer primeiros socorros em saúde mental a uma pessoa após um evento potencialmente traumático no Brasil”. Mental Health First Aid Programa de Treinamento e Pesquisa, Universidade de São Paulo e Universidade de Melbourne 2022. O grupo revisou o  questionário com o consenso e participação de 33 profissionais brasileiros da área da saúde mental e com experiência em trauma, além da participação de 29 pessoas que viveram situações traumáticas. 

Os participantes da pesquisa foram convidados a avaliar a importância das ações apresentadas no treinamento para auxiliar pessoas que passaram por um evento traumático. 

Esse material pode ser aplicado de forma independente, tornando-se um treinamento em Primeiros Socorros em Saúde Mental para o Brasil. Orienta sobre ações importantes durante e após o acontecimento traumático e indicações para os socorristas, até que a equipe profissional chegue até o local. 

Confira orientações presentes no programa “Diretrizes para oferecer primeiros socorros em saúde mental a uma pessoa após um evento potencialmente traumático no Brasil”: 

entre outros. 

Esse estudo pode ser um guia para profissionais que estão na linha de frente do Rio Grande do Sul, assim como de grande utilidade para a população. Ao final da pesquisa, os autores disponibilizaram o  material na íntegra para ser baixado em PDF.

A solidariedade nesse momento se faz de inúmeras maneiras, inclusive através do compartilhamento de informações relevantes e o combate às informações falsas.

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