
Inteligências múltiplas não fazem sentido: a neurociência explica
As inteligências múltiplas foram popularizadas nos últimos dez anos e até hoje são citadas por palestrantes e até inseridas como metodologia em sala de aula.
A teoria de que existem 8 tipos de inteligências foi uma abordagem defendida pelo psicólogo Howard Gardner e ela confronta com duas bases consolidadas pelas neurociências sobre o funcionamento do cérebro:
A primeira, não existe um perfil neural único para cada tipo de inteligência, pois o cérebro, as habilidades, e tudo o que é processado por ele, ocorre através de conexões entre estruturas, podendo envolver inclusive, inúmeras funções.
A segunda é de que essa pesquisa do psicólogo Gardner é antiga, não leva como base o funcionamento neural e não possui embasamento metodológico considerado válido para ser usada como referência em qualquer tipo de abordagem, sobretudo nas escolas.
Para darmos início nesta discussão sobre “inteligências”, considero importante ir até a raiz, como o significado de inteligência. Inteligência, não é “inteligências”, pois se trata de uma capacidade não só humana, mas de inúmeras espécies de conhecer, compreender e aprender, tal como capacidade de compreender e resolver novos problemas e conflitos e de adaptar-se a novas situações.
Uma falha pouco comentada sobre a teoria de Gardner é ele confundir o que é a inteligência, fazendo correlação com as habilidades que não podem ser chamadas de “inteligências”, mas cada habilidade requer o uso da inteligência como um todo.
As habilidades são aptidões específicas que de acordo com estudos consolidados sobre o cérebro, podem ser desenvolvidas através do treino e da repetição, com isso, é modificado os padrões neurais, são fortalecidas sinapses relacionadas a esse aprendizado, fazendo com que a pessoa ganhe cada vez mais destreza nessa prática.
Entender a diferença entre inteligência e habilidades é de suma importância, sendo um equívoco simplório da teoria de Gardner.
Perfis individuais de inteligências
Com certeza você já viu circular por aí o famoso cérebro colorido, com os hemisférios direito e esquerdo divididos. Sendo o direito, responsável pelo processamento emotivo, habilidades artísticas, etc; enquanto o esquerdo é o hemisfério analítico, racional e pragmático.
Esse neuromito, que é a teoria de separação do cérebro já foi refutado há anos, mas como é popular, comumente vemos a sua disseminação entre o público leigo.
O cérebro não funciona a partir de separações, portanto, quaisquer que sejam as habilidades desenvolvidas, há evidências de que a consolidação se dá por meio de atividades complexas e interconectadas, e não em um único hemisfério.
As pessoas de um modo geral possuem as suas preferências de aprendizagem, sendo essas preferências, inclusive, o x da questão para que elas se desenvolvam mais naquilo que gostam. As pesquisas são certeiras neste ponto, o entusiasmo na aprendizagem faz toda a diferença na sua consolidação.
Ou seja, se você gosta mais de uma atividade, irá se desenvolver mais nela.
O fato das pessoas possuírem preferências não significa que o seu cérebro funciona mais de um lado do que de outro, mas sim que ela desenvolveu mais uma habilidade do que outra.
Não existe evidência de que há regiões no cérebro específicas que se enquadram às 8 “inteligências” defendidas por Gardner, que são elas:
1 – Lógico – matemática. …
2 – Inteligência Linguística. …
3 – Inteligência Corporal. …
4 – Inteligência Naturalista. …
5 – Inteligência Intrapessoal. …
6 – Inteligência Interpessoal. …
7 – Inteligência Espacial. …
8 – Inteligência Musical.
Essas “inteligências” podemos chamar corretamente de habilidades , pois exigem o trabalho de conexões complexas no cérebro, envolvendo, por exemplo, o centro da linguagem no cérebro, conhecida como área de Broca, assim como a área da fala e compreensão da linguagem, descoberta de Wernicke, conhecida como a área de Wernicke.
E não só essas, existem regiões predominantes que envolvem o movimento e a consciência corporal, regiões corticais, o cerebelo e outras. O que considero mais importante entender sobre o funcionamento do cérebro é que existem regiões predominantes, mas que nunca atuam sozinhas, cada estrutura no cérebro possui inúmeras funções, portanto é equivocado atribuir a somente uma.
O que Gardner chama de Inteligência pessoal, por exemplo, é um comportamento humano amplamente complexo para decifrar em conexões neurais, o que até hoje não foi realizado, pois também confere características individuais na demonstração dessa habilidade.
Habilidades podem e devem ser desenvolvidas, tal como a inteligência. Desenvolvendo a inteligência, que é a capacidade do ser humano de aprender, resolver problemas, além do seu interesse pelo conhecimento, isso é uma porta para que mais habilidades sejam também adquiridas. Inteligência e habilidades existem e são importantes, se complementam, mas não são a mesma coisa.
Por que é importante saber disso?
Quando você restringe a capacidade humana às preferências de aprendizagem, limita a pessoa à encarar novos desafios cognitivos e até descobrir-se em talentos que jamais imaginou ter. O cérebro humano possui uma plasticidade incrível, sabemos que é o treino e a repetição que são o ponto chave da aprendizagem.
O ideal é que uma pessoa, na sala de aula ou na sua própria vida, seja encantada pelo conhecimento, avalie a importância de desenvolver o raciocínio lógico, a ler de forma interpretativa poemas e poesias complexas, a amplitude dos cálculos na organização da vida humana e a relevância primordial de inúmeras áreas do conhecimento.
Fazer apenas o que considera gostar, seguir habilidades específicas é um senso comum que distancia o ser humano do potencial do cérebro de aprender e adquirir amplas habilidades relevantes.
Dizer isso não descarta a possibilidade da pessoa ter habilidades inatas e inclinações naquilo que irá se destacar, o que será comum a todos. Mas voltar-se somente a essas inclinações, não desenvolvendo mais potenciais adormecidos é um limitador da capacidade cognitiva humana.
Na sala de aula as habilidades de Gardner não funcionam
Não existe evidência científica de que desenvolver nos alunos as suas habilidades e preferências, tornam-os mais aptos ou favorecidos cognitivamente, exceto na própria atividade que desenvolveu.
Gosto muito de me colocar como exemplo nessa experiência. Durante minha fase na escola, sempre me destaquei na escrita, participava de concursos municipais de poemas, representava a escola em concursos de redação e estava como validado que a minha habilidade principal era a escrita e a comunicação.
Sempre me esforcei minimamente nas outras matérias, porque considerava que elas não mereciam tanto esforço, já que desde os 13 anos eu já sabia que iria estudar jornalismo e trabalhar com comunicação.
Na adolescência fui surpreendida com um “boom” em raciocínio lógico e de repente comecei a ir muito bem em matemática, tirando a melhor nota da sala de aula em um simulado, eu quase gabaritei a prova! Isso me deixou extremamente chocada. Como assim? Na faculdade, minha maior nota em jornalismo é na matéria de economia em que fizemos cálculos.
Estudei não só jornalismo, mas me especializei em neurociências, ciências, uma matéria que inclusive, eu não me esforçava nada em sala de aula, tinha o mínimo apreço.
Quando argumento que não devemos limitar a capacidade cognitiva às habilidades que acreditamos ter, afirmo isso a partir de uma experiência própria. Descobrir que também consigo entender a lógica do cérebro me tirou do tédio e me trouxe um renovo gratificante na minha prática profissional, além da autoconfiança de que posso ir sempre além e não preciso seguir o óbvio.
Encante-se pelo conhecimento e desenvolva o máximo de habilidades possíveis. Desenvolver novas habilidades, ah, isso sim modifica padrões neurais e sem dúvida, te deixa mais inteligente.
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